"Não falarei do começo de ano dos que dizem que para eles essas datas não existem: espalham o negativismo de suas decepções com a raça humana, que na verdade não é tão grande coisa assim. Talvez eu fale de confraternização, abraço amigo sincero, acolhimento da família – amada apesar das diferenças, sabendo que ali a gente é aceito mesmo quando não é entendido, mais que isso: é respeitado e querido. Falo de uma tentativa real de recomeçar até onde é possível: com um olhar um pouco diferente para pessoas a quem a gente admira ou estima e normalmente não tem tempo de abordar (que pena, que desperdício). Gente que nos interessa pelo simples carinho, independentemente de status, grana, importância e possível utilidade. Falo de uma entrada em um novo ano abrindo as portas e janelas da casa e da alma. Sem frescura, sem afetação, sem mau humor, sem pressão nem formalidade. Pensando que a gente poderia ser mais irmão e mais amigo, mais humano, mais simples, mais desejoso de ser e fazer feliz, seja lá o que isso signifique para cada um de nós. Não com planos mirabolantes que não se podem cumprir, mas inventando novos modos de querer bem, sobretudo a si mesmo, pois sem isso não tem jeito de gostar dos outros de verdade. O bom é entrar num novo ano sem nostalgia melancólica, sem suspiros patéticos e sem lamentações inoportunas, sem tornar a paciência dos que, ao redor, estão querendo começar o novo ano num clima positivo. Algumas pessoas saem da manada e se propõem a cada ano uma vida possível, mais amena e humana apesar de tudo. Na qual, independentemente de crença, ideologia e vivências, aqui e ali se consegue refletir reavaliar algumas coisas. Com um pouco mais de aproximação, de reflexão, de algum otimismo, a gente sendo menos arrogante, menos fria, menos desinteressante, mais... GENTE. E, já que é um novo ano, vai aí um presente meu, "simplesinho", que os tempos estão difíceis: Deus eu faço parte do teu gado: esse que confinas em sonho e paixão, e às vezes em terrível liberdade. Sou, como todos, marcada nesse flanco pelo susto da beleza, pelo terror da perda e pela funda chaga dessa arte em que pretendo segurar o mundo. No fundo, Deus, eu faço parte da manada que corre para o impossível, vasto povo desencontrado a quem tanges, ignoras ou contornas com teu olhar absorto. Deus, eu faço parte do teu gado estranhamente humano, marcado para correr, amar, morrer, querendo colo, explicação, perdão e permanência." Feliz Ano Novo!
Texto lindo da escritora Lya Luft
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